Por Espanha deram-se dois episódios que ilustram bem a faceta absolutista do Estado democrático.
Na transmissão televisiva da final da Copa del Rey, o Hino de Espanha foi transmitido em diferido. Jogavam Athletic de Bilbao e Barcelona FC, as duas equipas mais representantes das regiões mais autonomistas de Espanha, e associações cívicas tinham apelado a manifestações de desagrado - que incluiriam cartazes, apitos e assobios. Quando o hino começou a tocar, a produção mudou para o estúdio. Ao intervalo as imagens foram mostradas - e observou-se como o estádio tinha demonstrado, quarenta e cinco minutos antes, uma profunda referência à melodia.
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Para que o Estado ficasse bem na figura, alguns funcionários medíocres decidiram alterar a realidade. Os protestos foram reduzidos a um
wardrope malfunction. Algo censurável, infelizmente difícil de controlar porque se na
regie seria fácil desviar câmaras, seria impossível separar a música dos assobios. As aparências foram preservadas, e todo o contexto foi sonegado para sempre da opinião pública.
Este exercício orwelliano teve os seus 15 minutos de fama antes de ser atirado pelo
memory hole. É tanto o desconsolo da população como os gestores da coisa pública que não compensa uma pessoa enervar-se. E, convenhamos, supõe-se que a Taça do Rei seja um evento de consensos e união. Onde não há lugar a desunião pois tal seria antidemocrático.
Na linha do mote 'quem controla o presente contra o futuro', outra vez o Estado Espanhol moveu-se contra uma força política por causa da sua ideologia. O movimento
Iniciativa Internacionalista (II) foi
ilegalizado por ser muito próximo da organização terrorista basca Euskadi Ta Askatasuna (ETA). Os políticos do regime declaram que "em democracia ou se está com os votos ou se está com as bombas" e "todos os democratas
nos alegramos".
Acontece que por muitas afinidadas que de facto existam entre a II e a ETA, não se antevia que os políticos da II fossem apelar à luta armada, porque isso seria incitação à violência, algo violentamente reprimido pelas leis espanholas. Como movimento partidário, protestariam contra o centralismo democrático do Estado Espanhol. Teriam o seu tempo de antena, e possibilidade de demonstrar, em comícios e votos, a dimensão do apoio popular nas suas ideias. Assim como expor-se ao ridículo e à rejeição social.
O Estado democrático tem rasgos autoritários perigosos, demonstrados em toda as facetas da vida pública em que indivíduos e populações deviam ter
escolha de rejeitar o planeamento
democrático das suas vidas.
Os bascos têm
direito à auto-determinação - como qualquer outro povo - e cabe a eles resolverem esse assunto.
Com o governo basco tomado pelos partidos nacionais PSOE e PP, coligados contra o nacionalista PNV - o partido mais votado nas últimas eleições -, não se espera grandes avanços no aprofundamento da autonomia política do País Basco - antes pelo contrário.
A demonização do sentimento independentista basco servirá como arma de arremesso político contra o PNV, eternamente culpado por associação, e de doutrinamento contra todos aqueles que preferem que o poder se exerça mais próximo das populações, do que em metrópoles distantes onde se cantam as democracias inclusivas.